WCON 2024

SOU MAIS UM APOSENTADO,

SOU POLICIAL MILITAR

Quando passei no concurso da Policia Militar tinha 19 anos, meu nome era composto de 05 palavras. Meus familiares me chamavam pelo primeiro nome. Mas, assim que me apresentei na academia da Policia Militar mudaram meu nome e acrescentaram SDPM, AL OF PM e outros nomes com o passar dos anos.

Nos cursos de formação e aperfeiçoamento aprendi a ser outra pessoa, aprendi a ser uma autoridade com direitos e responsabilidades elevadas. Aprendi que abaixo de Deus, a vida de uma pessoa aqui na terra estava em minhas mãos.

 Aprendi a usar vários tipos de armas letais e não letais, aprendi a me defender e a usar a força. Meu corpo e minha mente foram preparados para lutar pela vida e morrer com dignidade como bom Policial Militar, recebendo as honras militares no velório e sepultamento.

Aprendi que minhas roupas, sapatos e higiene pessoal tinham que estar no  padrão para representar bem a corporação.

Aprendi que meu padrão de vida tinha que ser o melhor, porque eu era elite da sociedade.

Durante 30 anos aprendi a comandar e a ser comandado, aprendi a tomar decisões em questões de segundo, aprendi a levantar cedo e cuidar de minha higiene pessoal antes de ir para o quartel.

Hoje após 30 anos de serviço estou em crise, tenho que me adaptar a vida de cidadão comum, chamada vida civil. Não sou mais chamado como autoridade, sou o seu Zé, seu Pedro, seu João e não mais a autoridade fulano de tal, sou mais um aposentado.

Quando perguntam por mim em minha rua ouço dizer: “aquele policial aposentado”? Como faz mal ouvir uma palavra como essa, parece que não funciono mais, parece que estou de escanteio.

Nem eu e nem ninguém se preocupou que um dia chegaria a minha reserva, ela chegou, não me preparei, não me prepararam e agora levanto de madrugada, tomo banho, visto minha farda e me preparo para ir para o quartel, minha esposa levanta me vê fardado e pergunta para onde eu vou, eu digo, vou para o quartel, ela responde meu amor você está aposentado, volte para cama, quem vai trabalhar sou eu.

Nesse momento me deprimo e procuro inventar alguma coisa para fazer. Invento várias coisas e até procuro aprender uma outra profissão, mas a farda já se tornou minha segunda pele, o trabalho policial se tornou minha rotina, não sei ficar sem dar ordens, não sei viver sem os benefícios que a policia me proporcionou.

A solidão me levou a caminhos não agradáveis que me fizeram perder até a minha família e amigos verdadeiros.

Hoje sou da RR (reserva remunerada), aposentado, sou mais um no meio da multidão. Vou morrer sem a família policial militar que desde 19 anos me adotou e adotei.

O que fazer para viver uma vida de RR ou aposentado após tantos anos com noites mal dormidas, estresse das lembranças desagradáveis das ocorrências policiais, lembranças de problemas de relacionamentos com superiores e subordinados, lembranças das injustiças cometidas, PADS, inquéritos, sindicâncias e principalmente o sentimento de culpa dos relacionamentos conjugais quebrados por facilidades proporcionadas pela profissão?

O que fazer quando paro de ser uma autoridade policial e passo a ser um zé ninguém?

O que fazer quando o filho me preguntar o que eu sou?

O que fazer quando der vontade visitar o quartel e ninguém se importar comigo?

O que fazer quando passar por um soldado recém contratado e ele não prestar continência porque não me conhece?

O que fazer quando ninguém ligar para mim quando for ao quartel que ajudei a construir?

O que fazer quando alguém disser, ele é um policial aposentado?

Pergunto: o que fazer?

Alguém pode me ajudar?

Estou ansioso para chegar minha reserva será que alguém vai se importar comigo quando chegar lá?

Socorro!!!

Sou mais um aposentado da Polícia.

 

JOSUÉ FERNANDES MARRIELI- MAJ PM CPL

PSICÓLOGO E CAPELÃO DA PMRO

Capelania