WCON 2024


         O Código Penal brasileiro e a Constituição Federal de 1988 dispõem no sentido da humanização das penas. Proíbem-se então penas indignas, ou seja, aquelas que não preservem a integridade física, psíquica ou moral do apenado, tais como as cruéis ou degradantes, de trabalho forçado, de morte, de caráter perpétuo e de banimento, degredo e desterro. A pena é uma espécie de sansão (um castigo, grosseiramente falando), aplicável a um transgressor da lei, com o objetivo de prevenir o delito, reprovar a prática delituosa e reeducar o delinquente. A busca do direito, com a proibição de pena indigna, é preservar este tríplice objetivo e satisfazer o princípio da dignidade da pessoa humana.

Este, no entanto, não é o pensamento que predominou durante na maior parte da historia humana conhecida. No livro Vigiar e Punir[1], de Foucault, lemos a assustadora e angustiante narração da execução da pena de Suplício. Uma espécie de pena extremamente cruel, aplicada ainda no século XVIII,  que consistia em torturar, arrancar pedaços e queimar vivo até que se tornasse apenas em cinzas o corpo dos condenados. Este relato, por si só, é suficiente para constatar que, historicamente, a humanidade é má, suas penas cruéis são resultado cultural. Nos anos seguintes surgiram diversas reformas dos códigos penais que entenderam como desumanas penas tais como o suplício. As mudanças sugeridas foram consideradas como tentativa de humanização, conceito até hoje largamente difundido. Mas o que tem de desumano em algo que é criado, desenvolvido e praticado pelo ser humano?
 
Se aceitarmos que alguns resultados da cultura humana são de natureza não humana, teremos igualmente que aceitar a existência de uma interferência sobre-humana nas nossas ações. Se considerarmos que ainda hoje, no mundo civilizado, existem países onde há pena de morte, prisão perpétua e até mutilações e apedrejamento, confirmaremos ainda mais que as penas cruéis e degradantes são próprias da nossa humanidade.
Se considerarmos o nível de crueldade atualmente existente e a constatação de que as atrocidades cometidas ao longo da história são resultados da cultura – fator essencialmente humano – somos forçados a acreditar que a crueldade e a dignidade são igualmente inerentes ao princípio da humanização. Por outro lado, se aceitarmos que existe alguma interferência sobre-humana nas nossas ações, concordando assim com o texto de Tiago[2], Capítulo 3, versos 13 ao 18, que demonstra três fontes de influência em nossas atitudes – a humana (terrena e animal), a diabólica e a divina – então concluiremos que é preciso, para resguardar a tão almejada dignidade da pessoa humana, não humanizar, mas divinizar o humano.
 
É curioso que Jesus, o Cristo, que é o símbolo maior da dignidade, do respeito, do amor e da vida humana, conquistou tal posição por suportar enorme contradição destes valores. Representando, ao mesmo tempo, o divino e o humano, mostrou sua divindade recebendo da humanidade a mais indigna das penas de seu tempo – morte de cruz.
 
Ele foi preso com abuso de autoridade. Sem o devido processo legal e sem provas de sua culpa foi torturado, exposto publicamente, esbofeteado e cuspido no rosto e condenado injustamente a uma pena cruel e degradante com final morte. Após sua tortura carregou a cruz onde o pendurariam, foi chicoteado enquanto caminhava descalço e seminu por ruas pedregosas, cercado por uma multidão que lhe ojerizava e ofendia verbalmente. Suportou ver o sofrimento de sua mãe e irmãos que por ele choravam no caminho, sem nada poder fazer para consolá-los. Por fim, seus pés e mãos foram pregados com grosseiros cravos e foi ele pendurado num madeiro. Agonizante, sangrando e sentindo dores atrozes permaneceu vivo por horas, antes de sua morte. Ele teve sua integridade moral, psíquica e física violadas da forma mais cruel que se possa imaginar.
 
Nunca a humanidade foi tão humana e diabólica quanto naquela sexta-feira. Nunca alguém foi tão divino quanto aquele condenado.
 
Antes daquele dia toda a humanidade, despida de dignidade, estava destinada à condenação perpétua, a mais indigna das penas[3].
E tudo isso ele fez para cumprir um objetivo: proibir a pena indigna e dar dignidade à pessoa humana.

“Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.” (Isaías 53:5[4]).
 
Pr. Wilson Santos de Oliveira
Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra. Gurupi-TO.
Abril de 2012.

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